A tarifa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com previsão de vigência em 1º de agosto, pode provocar prejuízos bilionários ao Brasil. No entanto, a medida ainda esbarra em barreiras jurídicas dentro e fora das fronteiras do país norte-americano.
De acordo com nota técnica assinada pelos pesquisadores Angelo Gurgel, Cícero Lima e Leonardo Munhoz, do Centro de Bioeconomia da FGV Agro, a medida pode provocar uma retração de até 0,41% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em caso de retaliação. Ao mesmo tempo, há precedentes recentes na Justiça americana que reforçam a ilegalidade da ação unilateral do Executivo.
“Essas tarifas representam uma afronta às normas do comércio internacional e provavelmente à legalidade interna do próprio ordenamento jurídico norte-americano”, afirmam os autores, no estudo “Aspectos econômicos e jurídicos do conflito tarifário Brasil-Estados Unidos”.

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Jurisdição americana e o poder presidencial
Do ponto de vista jurídico, a imposição das tarifas pelo governo Trump contraria princípios basilares do sistema de comércio internacional, como a cláusula da nação mais favorecida e a proibição de restrições comerciais arbitrárias. A nota técnica destaca ainda que essas medidas não apenas repetem padrões condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em anos anteriores, mas os agravam.
No plano interno americano, a legalidade das tarifas também é frágil. Leis como a Trade Expansion Act (1962), o Trade Act (1974) e o International Emergency Economic Powers Act (1977) só autorizam ações tarifárias excepcionais, mediante comprovação de ameaça concreta à segurança nacional.
Segundo os autores, o argumento de que há desequilíbrio comercial ou interesse político não se sustenta juridicamente. Inclusive, dois precedentes recentes fortalecem esse entendimento:
– V.O.S. Selections, Inc. x United States: julgado em 28 de maio de 2025, a Corte de Comércio Internacional considerou ilegais tarifas de 50% impostas por Trump anteriormente. A decisão afirmou que o presidente extrapolou os poderes concedidos pelo IEEPA (International Emergency Economic Powers Act), ao agir sem respaldo legislativo claro e sem comprovação de emergência econômica. |
– Raimondo x United States: a Suprema Corte afirmou que o Executivo só pode adotar medidas de grande impacto econômico com base em legislação específica e inequívoca. Termos genéricos como “segurança nacional” ou “interesse público” não bastam. Esse entendimento consolida uma jurisprudência que limita a interpretação abusiva de poderes presidenciais, reforçando a separação entre Executivo e Legislativo. |
“A Justiça americana já declarou ilegais tarifas semelhantes impostas por Trump, por abuso dos poderes presidenciais com base na IEEPA. Casos como os acima mostram que o Judiciário dos EUA está mais rigoroso contra ações unilaterais sem autorização clara do Congresso”, destacam os pesquisadores.
Impactos direto ao agro
Os EUA são o segundo principal destino das exportações brasileiras. Em 2024, o país respondeu por 12% do total vendido pelo Brasil ao exterior, o que representa US$ 40,37 bilhões. Desse total, cerca de 30% (US$ 12,1 bilhões) têm origem no agronegócio — com destaque para produtos como café em grão, carne bovina e pastas químicas de madeira.
Segundo os pesquisadores da FGV Agro, a tarifa de 50% deve provocar queda acentuada nas vendas externas desses bens. “As exportações de alimentos poderiam reduzir em até 75%, uma vez que os produtos brasileiros ficariam consideravelmente mais caros em comparação ao mercado internacional”, diz a nota.

O efeito seria sentido em todas as regiões do Brasil, mas especialmente no Centro-Oeste, onde a retração nas vendas ao mercado americano pode chegar a 75,7%. Ainda, os pesquisadores apontam que os preços mais altos reduziriam o consumo interno e o volume de produção.
As perdas estimadas no consumo seriam de até US$ 13 bilhões no Brasil e US$ 18,4 bilhões nos EUA, em um cenário com retaliação. Sob esse cenário, o PIB brasileiro poderia encolher 0,41%, enquanto o dos Estados Unidos teria impacto menor, de 0,08%.
A nota técnica também chama atenção para o desequilíbrio tarifário atual. Os EUA aplicam, em geral, tarifas baixas sobre produtos do agronegócio brasileiro. Há exceções, como o suco de laranja (10,94%) e o açúcar (19,79%). O Brasil, por sua vez, cobra tarifas mais elevadas sobre certos insumos importados, como lactoalbumina (14%), utilizada para nutrição animal.
Danos antes e depois da tarifa
Mesmo que o tarifaço não entre em vigor, os especialistas alertam que o simples anúncio de medidas dessa magnitude já causa danos à economia brasileira. “O clima de incerteza no comércio internacional, gerado pelo cenário de guerra tarifária, gera danos à relação comercial dos dois países”, escrevem os autores.

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A nota recomenda que países afetados pelas tarifas americanas ajam de forma coordenada nos fóruns internacionais, como a OMC, para conter o avanço de medidas unilaterais e proteger regras multilaterais construídas ao longo de décadas. “Seria oportuno que os países afetados assumissem uma postura coletiva de enfrentamento do problema”, concluem Gurgel, Lima e Munhoz.
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