Ele quase nunca dá entrevistas e não costuma falar com a imprensa. Não posta no LinkedIn com frequência, nem protagoniza polêmicas. Mas, de uns tempos pra cá, esse personagem — o conselheiro de administração — passou a receber mais atenção do que talvez desejasse. E, convenhamos, por bons motivos.
Nas últimas semanas, veículos respeitados como o Wall Street Journal e o Brazil Journal publicaram reflexões sobre o que significa, afinal, ser um bom conselheiro em 2025. A dúvida é legítima. Vivemos um tempo em que decisões corporativas têm impacto social, político, climático, reputacional… e, claro, financeiro. Os holofotes se voltam para quem, até pouco tempo atrás, atuava somente nos bastidores.
Não faltam motivos para essa nova atenção. O mundo — e o Brasil, em particular — parece viver em modo permanente de crise. E em momentos assim, os conselhos não apenas tomam decisões críticas: muitas vezes, são cobrados por tudo aquilo que não viram, não agiram, não questionaram.
Nos últimos anos, conselheiros se viram diante de desafios inéditos e inadiáveis: uma pandemia que paralisou escritórios e testou lideranças; movimentos sociais que colocaram justiça e inclusão no centro das decisões; interrupções de cadeias de suprimento, guerras com impactos globais, escândalos contábeis que abalaram a confiança do mercado — como o da Americanas —, desastres climáticos recorrentes e uma revolução digital que não dá trégua. Ufa! Tudo isso vem ressignificando o papel do conselho como um fórum de escuta, posicionamento e ação estratégica.
Diante desse cenário, o Wall Street Journal observa que os conselhos deixaram de ser apenas guardiões de boas práticas: passaram a ser, também, um tipo de “cinturão de segurança” para momentos de turbulência. O texto do Brazil Journal aponta um fenômeno curioso: quanto mais pressão existe do lado de fora, mais os conselhos, por dentro, recorrem a perfis já conhecidos — quase sempre brancos, homens, experientes e bem relacionados. Mas será que a experiência sozinha dá conta?
Ambos os artigos tocam em uma questão incômoda, mas necessária: será que os conselhos estão realmente preparados para os dilemas que importam agora? Saber ler balanço ainda é importante — mas fazer as perguntas certas, ouvir opiniões divergentes e antecipar crises talvez nunca tenha sido tão valioso.
Talvez o conselheiro ideal de 2025 seja aquele que entende que reputação se constrói em silêncio, mas também na escuta ativa. Que autoridade não nasce só do currículo, mas da curiosidade e da coragem. Que independência não é apenas um rótulo regulatório, mas uma prática diária de integridade.
Como escreveu Allan Murray, do Wall Street Journal, “o que as empresas mais precisam de seus conselhos hoje é julgamento — e julgamento vem de caráter”. Em um mundo cada vez mais orientado por dados, algoritmos e automação, são justamente os atributos mais humanos — integridade, empatia, coragem moral, capacidade de ponderar dilemas complexos — que tornam um conselheiro insubstituível. A tecnologia pode oferecer respostas, mas é o caráter que define as perguntas certas. E é nisso que reside o verdadeiro valor de quem ocupa uma cadeira no conselho: na responsabilidade de decidir não apenas o que é possível, mas o que é certo.
As reflexões trazidas pelo Brazil Journal sobre o perfil dos conselheiros mais desejados – profissionais com escuta ativa, espírito colaborativo, abertura ao dissenso e visão estratégica – ganham nova camada de relevância à luz das mudanças regulatórias promovidas pela CVM e pela B3. A Resolução 168, por exemplo, exige que ao menos 20% dos membros do conselho sejam independentes, o que obriga as empresas a buscar nomes desvinculados do controle ou da gestão recente. Isso busca deslocar o olhar do conselheiro tradicional – frequentemente indicado por afinidade com acionistas relevantes – para uma figura mais imparcial e tecnicamente qualificada. A exigência da independência formal, no entanto, é apenas o primeiro passo. O verdadeiro desafio está em garantir a independência de pensamento e postura.
Outro ponto que tende a impactar profundamente a composição dos boards brasileiros é a proposta de restrição ao overboarding, ou seja, ao número excessivo de cadeiras ocupadas por um mesmo profissional. Ainda em discussão no âmbito da reforma do Novo Mercado, a limitação de até cinco assentos por conselheiro e a obrigatoriedade de afastamento após 12 anos em uma mesma empresa sinalizam um esforço por oxigenar os colegiados e romper com práticas de concentração de poder e acomodação. Essa diretriz regulatória conversa diretamente com a crítica feita pelo Brazil Journal ao modelo “coletor de conselhos”, que favorece conexões e reputação em detrimento de engajamento efetivo. A expectativa é que, com essas mudanças, a função do conselheiro deixe de ser apenas simbólica ou protocolar e passe a exigir dedicação real, preparo contínuo e coragem para discordar.
No fim das contas, conselhos não existem para preservar estruturas antigas — mas para preparar as organizações para o futuro imprevisível, urgente e exigente.
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