HONG KONG — Um aumento significativo nas tarifas, seguido de uma retaliação igualmente significativa. Blogueiros nacionalistas chineses comparando os impostos de Donald Trump a uma declaração de guerra. O Ministério das Relações Exteriores da China prometendo que Pequim “lutará até o fim”.
Durante anos, as duas maiores potências do mundo flertaram com a ideia de um desacoplamento econômico à medida que as tensões entre elas aumentavam. A aceleração, nesta semana, da deterioração da relação comercial fez com que a perspectiva de tal divórcio parecesse mais próxima do que nunca.
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Isso foi sublinhado nesta quarta-feira (9), quando a China anunciou uma tarifa adicional de 50% sobre produtos americanos, igualando os novos impostos dos EUA que haviam entrado em vigor horas antes. A China também atingiu empresas americanas, impondo controles de exportação sobre uma dúzia delas e adicionando outras seis a uma lista de “entidades não confiáveis”, impedindo-as de fazer negócios na China.
As novas tarifas da China, que entrarão em vigor na quinta-feira (10), significam que todos os produtos americanos enviados para a China enfrentarão um imposto de importação adicional de 85%. O imposto mínimo dos EUA sobre as importações chinesas agora é de 104%. Ambos os números seriam inimagináveis algumas semanas atrás.

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Com o líder máximo da China, Xi Jinping, e Trump presos em um jogo de quem pisca antes — cada um relutante em parecer fraco ao fazer uma concessão — a disputa comercial pode sair ainda mais do controle, inflamando tensões em outras áreas de competição, como tecnologia e o destino de Taiwan, a ilha autônoma reivindicada por Pequim.
As táticas agressivas de Trump o tornam uma força singular na política dos EUA. Mas, em Xi, ele enfrenta um duro oponente que sobreviveu à turbulência dos expurgos políticos da China no final do século 20 e que vê as táticas competitivas dos Estados Unidos como destinadas, em última análise, a subverter a legitimidade do Partido Comunista no poder.
“Trump nunca se envolveu em uma briga de rua onde o outro lado está disposto a lutar e usar as mesmas táticas que ele”, disse Scott Kennedy, conselheiro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um think tank de Washington. “Para a China, isso é sobre sua soberania. Isso é sobre a manutenção do poder do Partido Comunista. Para Trump, pode ser apenas uma campanha política.”
A economia da China, que já estava em um estado vulnerável devido a uma crise imobiliária, agora enfrenta o espectro de uma recessão global e uma desaceleração devastadora no comércio, sua indústria definidora e principal motor de crescimento. Em um sinal do crescente desconforto de Pequim, censores chineses parecem estar bloqueando buscas nas redes sociais por hashtags que se referem ao número 104, como no tamanho das tarifas dos EUA.
“Isso é um grande choque para a relação econômica entre China e EUA, como um terremoto”, disse Wu Xinbo, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Fudan em Xangai, referindo-se às tarifas impostas nesta quarta-feira. “Resta saber se isso é uma turbulência temporária ou uma tendência inevitável de longo prazo.”
Certamente, um desacoplamento entre os EUA e a China ainda está longe de se tornar realidade. Empresas chinesas e americanas, como TikTok e Starbucks, ainda estão profundamente enraizadas nos países um do outro. E os bancos chineses continuam vinculados ao sistema financeiro dominado pelo dólar americano.
China e Estados Unidos ainda estão na fase de “brinkmanship” [estratégia diplomática que consiste em forçar uma situação perigosa para alcançar um resultado favorável], disse Kennedy, cada um tentando forçar o outro a oferecer um acordo de joelhos. Mas a disputa pode se tornar mais perigosa se o governo Trump atacar instituições financeiras chinesas — por exemplo, revogando as licenças de bancos chineses nos Estados Unidos ou expulsando-os do sistema de pagamentos internacionais SWIFT.
Ao se opor às ações de Trump, Pequim se apresentou como vítima de práticas comerciais injustas e protecionismo dos EUA. A ironia é que a China fez o mesmo, senão pior, ao longo das décadas, limitando o investimento estrangeiro e subsidiando empresas chinesas.
Xi não fez nenhum comentário direto sobre as novas tarifas dos EUA. Nesta quarta-feira, no entanto, logo após a entrada em vigor das tarifas, a mídia estatal chinesa anunciou que ele fez um discurso em uma reunião com os outros seis membros do Comitê Permanente do Politburo, o ápice do poder na China, além de outros altos funcionários. Nesse discurso, Xi pediu aos oficiais que fortalecessem os laços com os vizinhos da China e “reforçassem a cooperação industrial e nas cadeias de suprimento”.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, abordou as novas tarifas, dizendo nesta quarta-feira que a China “nunca aceitará tal comportamento arrogante e de intimidação” e que “definitivamente retaliará”. As novas tarifas foram anunciadas horas depois.
Qualquer fratura entre as economias chinesa e americana será sentida em todo o mundo. Os negócios foram a base da relação bilateral por quase cinco décadas. Sem isso, o engajamento deles em outras questões globais, como segurança, mudanças climáticas e futuras pandemias e crises financeiras, provavelmente estagnará.
A China tentou minimizar sua vulnerabilidade ao caos econômico desencadeado pelo governo Trump. Ela afirma ter reduzido sua dependência dos mercados americanos para suas exportações e que sua economia está se tornando mais autossuficiente, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de tecnologias próprias.
Mas isso encobre problemas sérios na economia chinesa, que tem estado amplamente estagnada devido ao colapso do mercado imobiliário. Além disso, o ataque de Trump ao sistema comercial global, que inclui a mira em países como o Vietnã, onde empresas chinesas abriram fábricas para contornar tarifas anteriores dos EUA, atinge o cerne de um dos poucos pontos de destaque atuais da economia da China.
As consequências do rompimento comercial afetarão os Estados Unidos, que dependem da China para todos os tipos de produtos manufaturados, mas causarão mais danos à China, disse Wang Yuesheng, diretor do Instituto de Economia Internacional da Universidade de Pequim.
“O impacto na China está no fato que os produtos chineses não têm para onde ir”, disse Wang. Isso vai devastar empresas orientadas para exportação que fabricam itens como móveis, roupas, brinquedos e eletrodomésticos ao longo da costa leste da China, que existem principalmente para atender os consumidores americanos.
A estratégia de Pequim agora é resistir aos Estados Unidos e esperar que Trump sucumba à pressão interna para reverter o curso, disse Evan Medeiros, professor de estudos asiáticos na Universidade Georgetown, que atuou como conselheiro da Ásia para o presidente Barack Obama.
“Eles sabem que, se cederem à pressão, enfrentarão mais pressão”, disse ele. “Eles resistirão com a crença de que a China pode suportar mais dor do que eles.”
c.2025 The New York Times Company
The post Análise: EUA e China disputam um arriscado “jogo do pisca” — e sem uma saída à vista appeared first on InfoMoney.
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